O FILÓSOFO DESANIMADO


 

Havia naquele tempo um homem que tinha estudado todas as ciências, meditado sobre todos os sistemas e que acabara por duvidar de todas as coisas. O próprio ser parecia-lhe um sonho, porque não encontrava nele motivo suficiente. Havia procurado a natureza de Deus e não a havia adivinhado, porque nunca tinha amado. E sua inteligência estava obscurecida como o olho de quem fixa o sol. Por esse motivo estava triste e desanimado. Jesus, que se ocupa dos mortos e que deseja curar os cegos, teve piedade dessa pobre inteligência doente e desse coração fraco; e entrou uma noite no quarto solitário do filósofo. Era um homem pálido e calvo, com os olhos fundos, a fronte enrugada e os lábios desdenhosos. Estava acordado, só, perto de uma pequena mesa coberta de papéis e de livros; mas não lia e não escrevia mais. A dúvida curvava sua cabeça como uma mão de chumbo, seus olhos fixos não olhavam e sua boca sorria vagamente com uma profunda amargura. Sua lâmpada consumia-se junto dele, e suas horas passavam em silêncio; sem esperança e sem recordação.


Jesus apareceu diante dele sem nada dizer, e levantando os olhos ao céu, orou. O sábio levantou a cabeça, depois a balançou e a deixou cair novamente, murmurando baixinho: "Visionário!" - Nosso Pai que está no céu, que teu nome seja santificado, disse Jesus. - Ele te deixou morrer sobre a cruz, critica o pensador, e tu chamaste inutilmente: "Meu Deus! Meu Deus! Por que me abandonaste?" - Que teu reino chegue, continua o Salvador. - Nós o esperamos há mil oitocentos e quarenta anos, diz o filósofo, e ele está mais longe do que nunca. - Como o sabes? pergunta-lhe então o Mestre, lançando-lhe um olhar doce e grave. - Nem mesmo sei o que é o reino de Deus que deve vir, respondeu o filósofo. Se existe um Deus, ele reina ou não reinará nunca. Ora, como não vejo o reino de Deus, não o espero; e não procuro nem mesmo saber se há um Deus. - Duvidas também da existência do bem e do mal? pergunta Jesus. - Suas distinções são arbitrárias, visto que varia conforme os tempos e os lugares. - Coloca teu dedo sobre a chama de tua lâmpada, diz o Salvador; por que pois retiras a mão com tanta vivacidade? Não sabes que um pensador como tu disse que a dor não era um mal? - É que não compartilho sua opinião, mas não sei se tenho mais razão que ele. - Por que não compartilhas sua opinião? - Porque sinto a dor e ela me repugna invencivelmente. - A distinção entre o bem e o mal não é pois arbitrária relativamente às tuas repugnâncias e a tuas atrações? diz então Jesus; e com efeito, o mal não poderia ser absoluto. O mal só existe para ti e para todos os seres ainda imperfeitos. É pois para esses que o reino de Deus deve vir, porque eles mesmos chegarão ao reino de Deus. Eu te convenci de uma repugnância física e te convencerei também facilmente de uma repugnância moral. O fogo te advertiu pela dor de que destruiria a vida de teu corpo, e a consciência te advertiu por seus lamentos e seus remorsos de que o crime perderia a vida de tua alma. O mal para si é a destruição; o bem é a vida, e a vida é Deus! A terra mergulhada nas trevas espera agora que o sol chegue, e no entanto o sol conserva-se radioso no centro do universo, e é a terra que gravita em torno dele. Deus reina, mas tu não entraste ainda em seu reino; porque o reino de meu Pai é o reino da ciência e do amor, da sabedoria e da paz. O reino de Deus é o reino da luz, e essa luz fustiga teus olhos que não a vêem, porque procuram sua claridade neles mesmos e só encontram obscuridades.- Senhor, abri-me pois os olhos, disse o filósofo, e iluminai minhas trevas.

Jesus disse-lhe: - Se eu tivesse fechado teus olhos, deveria abri-los; mas se eu os abrir e tu desejares fechá-los, como verás a luz?Não sabes que a vontade do homem age sobre as pálpebras de seus olhos, e que se o forçarmos a
ficar com os olhos abertos ou fechados, ele perderá a visão? Posso te persuadir a acender em tio fogo que clareia, e é por isso que te faço ouvir minha palavra, e visto que já desejas que te abra os olhos não estás longe de ver. Que teu desejo torne-se uma vontade forte, e abrirás tu mesmo os olhos e verás.- Qual é o fogo que ilumina? perguntou o sábio. - Tu o saberás, disse-lhe o Cristo, quando tiveres amado muito.Porque se a razão é como uma lâmpada, é o amor que é a chama.Se a razão é como o olho de nossa alma, é o amor que é o poder e a vida.Uma grande razão sem amor é um belo olho morto, que é uma lâmpada ricamente esculpida, mas fria e sem luz.


Quando o egoísmo das paixões animais havia enfraquecido a filosofia humana, salvei o mundo pela fé, porque a fé é a filosofia do amor. Cremos naqueles que amam e naqueles que sabem ser amados: também havia dado por base da fé uma caridade imensa, quando eu e meus apóstolos provamos aos homens, por um martírio sangrento, a sinceridade de nosso amor. E enquanto a Igreja reinou pela caridade, triunfou pela fé; mas a fé espera a inteligência, e aproxima-se o momento em que aqueles que acreditaram sem ver compreenderão e verão. Se pois desejas compreender, começa por amar, a fim de crer, - Em que acreditarei, pois, Senhor? - Em tudo o que ignoras: porque a fé é a confiança da gnorância racional. Crê em tudo o que Deus sabe e tua fé abraçará a imensidão. Confia em teu pai celeste quanto a tudo de que ele se reserva o conhecimento, e não te inquietes com os destinos infinitos. Ama essa imensa sabedoria
da qual és filho, ama os outros homens que passam ignorantes como tu na terra, e limita ainda agora tua ciência à realização de teus deveres; tu a verás brevemente crescer por ela mesma e subir até Deus, porque Deus se deixa ver pelos corações puros.

- Oh! ver Deus! exclamou o sábio entreabrindo os lábios trêmulos, como um homem que tem sede e que espera a chuva no céu. Oh! reunir finalmente em meu pensamento todos os raios esparsos dessa verdade que tanto amei e que me escapava sempre!... Mas quem me dará esse amor imenso que faz comungar o homem com Deus, e o aproxima do centro de toda luz? - Tu o merecerás pelas tuas obras, disse-lhe o Cristo; porque se nos corrompemos nas obras da
corrupção, se nos perdemos nas obras do ódio, crescemos e salvamo-nos pelas obras do amor. Para se aproximar de Deus é preciso caminhar, e as ações santas são movimentos de vossa alma. - Quais são as ações verdadeiramente santas? pergunta o doutor; a prece e o jejum? - Ouve, diz o Cristo, e não julgues temerariamente teus irmãos que passaram procurando e chorando. A humanidade está firmada no desejo pela prece e pelas lágrimas. E aqueles de seus
filhos que primeiro tiveram sede das coisas do céu são privados das coisas da terra; mas tudo isso é apenas o começo. Seria preciso saber abster-se, para aprender a usar bem. Seria preciso sacrificar primeiramente o corpo pelo pensamento, para emancipar o pensamento. Porque o céu moral é a liberdade da alma; mas a alma é chamada a reger o corpo e não a destruí-lo, do mesmo modo que o céu físico rege a terra e não a destrói. O tempo da prece e das lágrimas deve dar
lugar aos dias do trabalho e da esperança: porque a prece dos antigos era um trabalho, e é necessário que nosso trabalho, para nós, seja uma prece mais eficaz e mais ativa. - Como trabalharei? perguntou o filósofo; não sei fazer nada de útil.

- Perdeste com esforços vãos o vigor de teu pensamento, respondeu o Cristo: e tu, que querias saber tudo, não aprendeste nem mesmo a viver. Torna-te novamente uma criança pequena e vai à escola do amor. Aprende a amar e a fazer o bem, eis a verdadeira ciência da vida. Lembra-te da lenda de Cristóvão. Era um gigante terrível, mas como ignorava o uso de sua força, era fraco como uma criança. Precisava pois de um tutor, e colocou-se a serviço de um rei: mas o rei ficou doente e Cristóvão o deixou. Ele procurou aquele que pode fazer sofrer os reis; e como não conhecia Deus, uniu-se primeiramente ao gênio do mal. Entretanto um dia uma cruz apareceu sobre um rochedo, e o gênio do mal caiu como que fulminado por um raio. Cristóvão procurou então aquele cujo signo é a cruz, e um velho lhe disse que o encontraria fazendo o bem. Cristóvão não sabia nem orar nem trabalhar, mas era forte e alto, e começou a carregar nos ombros os viajantes perdidos que queriam atravessar a torrente. Ora, uma noite, ele carregou uma criança pequena sob a qual se inclinou, como se estivesse segurando o mundo, porque na pessoa do pobre órfão perdido reconhecera o grande Deus que esperava.


Compreendeste essa parábola?
- Sim, Senhor, disse o filósofo tornado cristão. - Pois, bem! vai e faz como Cristóvão; carrega o Cristo quando ele cair de cansaço, ou quando as torrentes do mundo se opuserem à sua passagem. O Cristo para ti será a humanidade sofredora. Sê o olho do cego, o braço do fraco e o bastão do velho; e Deus te dirá o grande porquê da vida humana. - Eu o farei, Senhor, e de hoje em diante sinto que já não estarei só no mundo. A qual de meus irmãos estenderei primeiramente a mão? - Àquele que é mais infeliz que tu, e que expira desconhecido de si mesmo no pequeno quarto vizinho ao teu. Vai pois em seu socorro, fala-lhe que espere, ama-o para que ele creia, faze com que ele te ame para que viva. - Conduzi-me para perto dele, Senhor, e falai-lhe por mim. - Vem e olha, diz o Salvador, e toca levemente a muralha que se entreabre como uma cortina dupla; e o sábio foi transportado em espírito ao quarto vizinho ao seu. Era o quarto de um jovempoeta que ia morrer abandonado
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