O Martinezismo

Papus


Foi graças às cartas de Martinez de Pasqually que pudemos fixar a ortografia exata de seu nome, estropiado até então pelos críticos (1); foi ainda graças aos arquivos que possuímos e ao apoio constante do Invisível, que logramos demonstrar que Martinez não teve jamais a idéia de transportar a Maçonaria aos "princípios essenciais", que sempre desprezou, como bom Iluminado que foi. Martinez passou metade de sua vida combatendo os nefastos efeitos da propaganda sem fé desses pedantes de lojas, desses pseudo-veneráveis que, abandonando o caminho a eles fixado pelos Superiores Incógnitos, quiseram tornar-se pólos no Universo e substituir a ação do Cristo pelas suas e os conselhos do Invisível pelos resultados dos escrutínios emanados da multidão.

Em que consistia o Martinesismo? Na aquisição pela pureza corporal, anímica e espiritual, dos poderes que permitem ao homem entrar em relação com os Seres Invisíveis, denominados anjos pela Igreja, chegando não somente a sua reintegração pessoal, mas também à reintegração de todos os discípulos de vontade.

Martinez fazia vir à sala de reuniões todos os que lhe pediam a luz. Traçava os círculos ritualísticos, escrevia as palavras sagradas, recitava suas orações com humildade e fervor, agindo sempre em nome do Cristo, como testemunharam todos aqueles que assistiram às suas operações, como testemunham ainda todos os seus escritos. Então, os seres invisíveis apareciam, resplandecentes de luz. Agiam e falavam, ministravam ensinamentos elevados e instigavam à oração e ao recolhimento; tudo isso ocorria sem médiuns adormecidos, sem êxtase, sem alucinações doentias.

Quando a operação terminava, os Seres Invisíveis tendo sido embora, Martinez dava as seus discípulos os modo de chegarem por si mesmos à produção dos mesmos resultados. Somente quando os discípulos obtinham sozinhos a assistência real do Invisível é que Martinez lhes outorgava o grau de Rosa-Cruz, como mostram suas cartas, com evidência.

A iniciação de Willermoz, que durou mais de dez anos, a de Louis Claude de Saint-Martin e da de outros, mostram-nos que o Martinesismo foi consagrado a outros objetivos, além da prática da Maçonaria Simbólica. Basta não ser admitido no pórtico de um centro real de Iluminismo, para confundir os discursos dos veneráveis com os trabalhos ativos dos Rosa-Cruzes Martinistas.

Martinez quis inovar tão pouco que conservou integralmente os nomes dados aos graus pelos Invisíveis e transmitidos por Swedenborg. Seria justo, então, utilizarmos a denominação de Swedenborgismo adaptado em vez do Martinesismo (2).

Martinez considerava a Franco-Maçonaria uma escola de instrução elementar e inferior, como prova se "Mestre Cohen" que diz: "Fui recebido Mestre Cohen, passando do triângulo aos círculos". Isto quer dizer, traduzindo os símbolos: "Fui recebido Mestre Iluminado, passando da Franco-Maçonaria à prática do Iluminismo". Pergunta-se igualmente ao Aprendiz Cohen: "Quais são as diferentes palavras, sinais e toques convencionais dos Eleitos Maçons Apócrifos?" E ele responde: "Para o Aprendiz, Jakin, a palavra de passe é Tubalcain; para o Companheiro, Booz, a palavra é Schiboleth; para o Mestre, Macbenac, a palavra é Giblin."

Era necessário possuir pelo menos sete dos graus da Maçonaria ordinária para tornar-se Cohen. A leitura mesmo superficial dos catecismos é clara a esse respeito. Martinez procurava desenvolver cada um dos membros de sua ordem pelo trabalho pessoal, deixando-lhes toda a liberdade e toda a responsabilidade por seus atos. Ele selecionava com o maior cuidado seus iniciados, conferindo os graus somente a uma real aristocracia da inteligência.

Os iniciados, uma vez recrutados, reuniam-se para trabalhar em conjunto; essas reuniões eram feitas em épocas astrológicas determinadas. Assim se constituiu uma cavalaria de Cristo, cavalaria laica, tolerante e que se afastava das práticas habituais dos diversos cleros.

Procurava individual da reintegração pelo Cristo, trabalho em grupo, união de esforços espirituais para ajudar os principiantes: tal foi, em resumo, o papel do Martinesismo. Essa Ordem recrutava seus discípulos diretamente junto aos profanos, como foi o caso de Saint-Martin, ou, mais habitualmente, entre os homens já titulares de altos graus maçônicos.

Em 1574, Martinez encontrava-se em presença: 1º da Franco-Maçonaria oriunda da Inglaterra, constituindo a Grande Loja Inglesa da França (após 1743), que deveria, em breve, tornar-se a Grande Loja da França (1756), dando lugar às intrigas do mestre de dança Lacorne. Essa maçonaria era absolutamente elementar e constituída apenas dos três graus azuis (Aprendiz, Companheiro e Mestre); era sem pretensões e formava um excelente centro de seleção.

2º - Paralelamente a essa Loja Inglesa, existia sob o nome de Capítulo de Clermont um grupo praticando o sistema templário, que Ramsay acrescentou em 1728 à Maçonaria, com os graus designados "Escocês, Noviço, Cavaleiro do Templo", etc. Uma curta explicação aqui é necessária: um dos representantes mais ativos da iniciação templária foi Fenelon. Em seus estudos sobre Cabala, entrou em relações com vários Cabalistas e Hermetistas. Após sua luta com Bosuet,(3) Fenelon foi forçado a fugir do mundo e a exilar-se quando preparou, com o maior cuidado, um plano de ação que deveria mais tarde proporcionar-lhe a revanche.

O cavaleiro de Ramsay foi cuidadosamente iniciado por Fenelon e encarregado de executar esse plano com o apoio dos Templários, que obteriam ao mesmo tempo sua vingança. O cavaleiro de Beneville estabeleceu em 1754 o Capítulo de Clermont, com seus graus templários. Ele perseguia um objetivo político e uma revolução sangrenta que Martinez não podia aprovar, como nenhum outro cavaleiro do Cristo aprovaria. Assim como Martinez, todos os discípulos de sua ordem entre os quais Saint-Martin e Willermoz, combateram energicamente esse rito templário, que alcançou parte de seus fins em 1789 e em 1793, quando mandou guilhotinar a maioria dos chefes Martinistas. Mas não nos antecipemos.

3º - Além dessas duas correntes, havia outros representantes do Iluminismo na França. Citemos, em primeiro lugar, Dom Pernety, tradutor da obra O Céu e o Inferno de Swedenborg, fundador do sistema dos Iluminados de Avignon (1766) e importante personagem na constituição dos Filaletes (1773). É necessário ligar ao mesmo centro a obra de Benedict de Chastenier, que lançou em Londres em 1767 as bases de seu rito Iluminados Teósofos, que brilhou particularmente a partir de 1783.

O Iluminismo criou vários grupos interligados por objetivos comuns e por Mestres Invisíveis oriundos da mesma fonte, que se reuniram posteriormente no plano físico. De Martinez de Pasqually vem a obra mais fecunda nesse sentido, pois foi a ele que o céu deu "poderes ativos", lembrados por seus discípulos com admiração e respeito.

Do ponto de vista administrativo, o Martinesismo seguirá exatamente os graus de Swedenborg, como podemos constatar pela simples leitura da carta de Martinez de 16 de junho de 1760. Com efeito, o grau de Mestre Grande Arquiteto resume os três graus da terceira seção.

Sob a autoridade de um Tribunal Soberano constituíram-se Lojas e Grupos no interior da França, cujo nascimento e evolução poderemos constatar pela leitura das cartas de Martinez, por nós publicadas.