Quanto mais alguém foge dos homicídios de todo gênero como pecados, mais tem amor para com o próximo.
Emanuel Swedenborg


67. Pelos homicídios de todo gênero se entendem também as inimizades, os ódios e as vinganças de todo gênero, que respiram a morte, porque o homicídio está latente nesses sentimentos como o fogo na lenha sob a cinza; o fogo infernal não é outra coisa; é por isso que se diz: "arder de ódio" e "inflamar por vingança." Esses são os homicídios no sentido natural. Mas, no sentido espiritual, pelos homicídios se entendem todos os modos, que são variados e em grande número, de se matar e destruir as almas dos homens. E, no sentido supremo, por "homicídio" se entende ter ódio ao Senhor. Esses três gêneros de homicídios fazem um e são coerentes, porquanto aquele que quer a morte do corpo de um homem no mundo, quer a morte de sua alma depois da morte, e quer a morte do Senhor, porque está inflamado de ira contra Ele e quer extinguir Seu Nome.


68. Esses gêneros de homicídios estão latentes no íntimo do homem por nascimento, mas ele aprende, desde a infância, a cobri-los pela civilidade e a moralidade nas quais deve estar com os homens no mundo. E, enquanto ama a honra ou o lucro, vigia para que isso não se mostre. Torna-se isso o externo do homem, enquanto aqueles homicídios formam-lhe o interno. Tal é o homem em si mesmo. Ora, como ele se despe do externo com o corpo, quando morre, e retém o interno, vê-se claramente que diabo seria ele, se não fosse reformado.


69. Visto que os gêneros de homicídios acima designados, estão, como foi dito, latentes no íntimo do homem por nascimento, e, ao mesmo tempo, os roubos de todo gênero e todo gênero de falsos testemunhos, com as concupiscências para tais males, dos quais se tratará adiante, é claro que, se o Senhor não tivesse provido os meios de reforma, o homem não teria podido deixar de perecer pela eternidade. Os meios de reforma, aos quais o Senhor tem provido, são estes: ao nascer, o homem está em mera ignorância, e logo que nasce é mantido em um estado de inocência externa; pouco depois, num estado de caridade externa, e, em seguida, num estado da amizade externa. Mas quando entra no pensamento pelo seu entendimento, é mantido em uma espécie de liberdade de agir segundo a razão. É esse estado que foi descrito acima, n. 19, e que é necessário repetir aqui, em razão do que será dito na seqüência, a saber: "Enquanto está no mundo, o homem está em um meio entre o inferno e o céu; abaixo está o inferno e acima está o céu, e assim é mantido na liberdade de se voltar ou para o inferno ou para o céu; se volta para o inferno, desvia-se do céu; mas se volta para o céu, desvia-se do inferno. Ou, o que é a mesma coisa: enquanto está no mundo, o homem está em um meio entre o Senhor e o diabo, e é mantido na liberdade de se voltar ou para um ou para outro; se volta para o diabo, desvia-se do Senhor; mas se volta para o Senhor, desvia-se do diabo. Ou, o que é ainda a mesma coisa: enquanto está no mundo, o homem está em um meio entre o mal e o bem, e é mantido na liberdade de se voltar ou para um ou para outro; se volta para o mal, desvia-se do bem; mas se volta para o bem, desvia-se do mal." Isto foi dito acima, n.1 19. Vide também os ns. 20 a 22, que ali se seguem.


70. Ora, pois que o mal e o bem são dois opostos, absolutamente como o inferno e o céu, ou como o diabo e o Senhor, segue-se que, se o homem foge do mal como pecado, vem ao bem oposto ao mal; o bem oposto ao mal que se entende pelo homicídio, é o bem do amor para com o próximo.


71. Como esse bem e esse mal são opostos, segue-se que um é afastado pelo outro. Dois opostos não podem estar juntos, da mesma maneira que não podem estar juntos o céu e o inferno. Se estivessem juntos, haveria o morno de que assim se fala no Apocalipse:
"Conheço que nem és frio nem quente; melhor fora frio ou quente; assim, pois que és morno, e nem és frio nem quente, vomitar-te-ei da Minha boca." (3:15, 16).


72. Quando o homem não está mais no mal do homicídio, mas no bem do amor para com o próximo, então tudo o que ele faz é o bem desse amor, por conseqüência, é uma boa obra. O sacerdote que está nesse bem faz uma boa obra todas as vezes que ensina e conduz, porque é pelo amor de salvar as almas. O magistrado que está nesse bem faz uma boa obra todas as vezes que prepara e julga, porque é pelo amor de cuidar da pátria, da sociedade e dos concidadãos. Semelhantemente o negociante: está-se nesse bem, toda operação do seus negócios é uma boa obra, está no amor para com o próximo, e o próximo são a pátria, a sociedade, os concidadãos e também as pessoas de casa, dos quais cuida como de si mesmo. Também o operário, que está nesse bem quando trabalha fielmente para os outros como para si próprio, temendo causar dano ao próximo como a si mesmo. Que os seus feitos sejam boas obras, é porque quanto mais alguém foge do mal, mais pratica o bem, segundo a lei geral (vide acima, n. 21); e quem foge do mal como pecado faz o bem não por si, mas pelo Senhor (ns. 18 a 31). O contrário se dá com aquele que não considera como pecados os diversos gêneros de homicídios que são as inimizades, os ódios, as vinganças e muitos outros, quer seja sacerdote, magistrado, negociante ou operário; tudo o que faz não é boa obra, porque todas as suas obras participam do mal que está interiormente nele. Com efeito, seu interno é que as produz; o externo pode ser bom, mas para os outros, não para ele.


73. O Senhor ensina o bem do amor em muitos lugares na Palavra, e o ensina em Mateus, pela reconciliação com o próximo:
"Se apresentares a tua oferta sobre o altar, e ali te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa ali a tua oferta diante do altar, e vai antes te reconciliar com o irmão, e então vem e apresenta a tua oferta. Faze benevolência com o teu adversário enquanto estás no caminho com ele, para que o adversário não te entregue ao juiz, e o juiz te entregue ao servidor, e te encerrem na prisão. Em verdade te digo que não sairás dali enquanto não pagares o último ceitil." (5:23 a 26).


"Reconciliar-se com o irmão" é fugir da inimizade, do ódio e da vingança; que isto seja fugir de tais males como pecados, é evidente. O Senhor o ensina também em Mateus:
"Tudo o que quereis que os homens vos façam, assim fazei-lho também vós, porque esta é a Lei e os Profetas." (7:12),
por conseguinte, não é o mal. E em muitas outras passagens. O Senhor também ensina que "matar" é também se encolerizar sem motivo contra o irmão ou o próximo, e tê-lo como inimigo (Mat. 5:21,22).