Quanto mais alguém foge dos roubos de todo gênero como pecados, mais ama a sinceridade.

Emanuel Swedenborg


80. Por "roubar", no sentido natural, se entende não só roubar e assaltar, mas também fraudar e tomar de outrem seu bem sob um pretexto qualquer. Mas por "roubar", no sentido espiritual, se entende privar os outros dos seus veros da fé e dos seus bens da caridade. No sentido supremo, por "roubar" se entende tomar do Senhor as coisas que Lhe pertencem, e atribuí-las a si próprio, por conseqüência arrogares para si justiça e mérito, São esses os roubos de todo o gênero; também eles formam um, como os adultérios de todo o gênero e como os homicídios de todo o gênero, dos quais precedentemente se falou. Se formam um, é porque um está dentro do outro.
81. O mal do roubo entra no homem mais profundamente do que qualquer outro mal porque se conjunta com a astúcia e o dolo, e a astúcia e o dolo se insinuam até na mente espiritual do homem, onde está seu pensamento com o entendimento. Que no homem haja uma mente espiritual e uma mente natural, ver-se-á abaixo.


82. Que quanto mais alguém foge do roubo como pecado, mais ama a sinceridade, é porque o roubo é também uma fraude, e a fraude e a sinceridade são dois opostos. Por isso, quanto mais alguém não está na fraude, mais está na sinceridade.
83. Por sinceridade entende-se também a integridade, a justiça, a fidelidade e a retidão. O homem não pode estar nelas por si mesmo, a ponto de amá-las segundo elas e por causa delas; mas aquele que foge das fraudes, das astúcias e dos dolos como pecados, está nelas, não por si, mas pelo Senhor, como foi mostrado acima (ns. 18 a 31); assim o sacerdote, assim o magistrado, assim o juiz, assim o negociante, assim o operário, assim cada um em sua função e em sua obra.


84. É o que ensina a Palavra em muitas passagens, das quais se verão algumas:
"Aquele que anda em justiça e fala com retidão; que tem aversão ao ganho da opressão; sacode suas mãos para não receber presentes, tapa os ouvidos para não ouvir acerca de sangues e fecha os olhos para não ver o mal; esse habitará nas alturas". (Isaías 33:15).
"JEHOVAH, quem morará na Tua tenda, quem habitará no monte de Tua santidade? Aquele que anda em integridade e pratica a justiça... aquele que não difama com a sua língua, nem faz mal ao seu amigo." (Salmo 15:1,2,3 e seq).
"Os meus olhos estão sobre os fiéis da terra, para que se assentem comigo. O que anda no caminho do íntegro, esse me servirá; não se assentará dentro de Minha casa o que age dolosamente; o que fala mentiras não ficará diante dos Meus olhos. Pela aurora destruirei todos os ímpios da terra, para desarraigar da cidade... todos os que obram iniqüidade." (Salmo 101:6-8).
Se alguém não for interiormente sincero, justo, fiel e reto, ele é insincero, injusto, infiel e não reto; é o que o Senhor ensina por estas palavras:
"Se vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, não entrareis no reino dos céus." (Mat. 5:20);
pela "justiça que excede a dos escribas e fariseus", entende-se uma justiça interior, na qual se acha o homem que está no Senhor. Que o homem pode estar no Senhor, é o que o Ele também ensina em João:
"Eu lhes dei a glória que Me deste, para que sejam um, como nós somos Um: Eu neles, e Tu em Mim, para que sejam perfeitos em um... e para que o amor com que Me tens amado esteja neles, e Eu neles." (27:22, 23, 26),
pelo que é evidente que os homens são perfeitos quando o Senhor está neles. São esses os que são chamados "...puros de coração, que verão a Deus", e "perfeitos como o Pai que está nos céus". (Mat. 5: 8, 48).


85. Acima (n. 81) foi dito que o mal do roubo entra no homem mais profundamente do que qualquer outro mal, porque foi conjunto à astúcia e ao dolo; e que a astúcia e o dolo se insinuam até na mente espiritual do homem, na qual está o seu pensamento com o entendimento. Por isso, agora se dirá alguma coisa sobre a mente do homem. Que a mente do homem seja seu entendimento e, ao mesmo tempo, sua vontade, viu-se acima (n. 43).
86. Há no homem uma mente natural e uma mente espiritual. A mente natural está em baixo, e a mente espiritual em cima. A mente natural é a mente de seu mundo, e a mente espiritual é a de seu céu. A mente natural pode ser chamada mente animal, e a espiritual mente humana. O homem é distinguido do animal por isso, que há nele uma mente espiritual pela qual pode estar no céu enquanto está no mundo. É também por esta mente que o homem vive depois da morte.
[2] Pelo entendimento, o homem pode estar na mente espiritual e, por conseguinte, no céu; mas, pela vontade, ele não pode estar na mente espiritual e, portanto, no céu, se não fugir dos males como pecados. E se não estiver aí também pela vontade, não está entretanto no céu, porque a vontade arrasta o entendimento para baixo, e faz que ele se torne com ela igualmente natural e animal.
[3] O homem pode ser comparado a um jardim: o entendimento, à luz, e a vontade, ao calor. No tempo do inverno, o jardim está na luz e não ao mesmo tempo no calor; mas, no tempo do verão, está na luz e ao mesmo tempo no calor. É por esse motivo que o homem que está somente na luz do entendimento é como um jardim no tempo do inverno; mas o que está ao mesmo tempo na luz do entendimento e no calor da vontade é como um jardim no tempo do verão. Também, o entendimento é sábio pela luz espiritual, e a vontade ama pelo calor espiritual, pois que a luz espiritual é a Divina Sabedoria e calor espiritual é o Divino Amor.
[3] Enquanto não foge dos males como pecados, as concupiscências dos males obstruem os interiores da mente natural por parte da vontade; elas formam aí um denso véu e como que uma nuvem escura sob a mente espiritual, e impedem que esta se abra. Porém, logo que o homem foge dos males como pecados, então o Senhor influi do céu, e tira o véu, e dissipa a nuvem, e abre a mente espiritual, e assim introduz o homem no céu.


[4] Enquanto as concupiscências dos males obstruírem os interiores da mente natural, como já se disse, o homem está no inferno. Mas logo que essas concupiscências são dissipadas pelo Senhor, o homem está no céu. E mais, enquanto as cobiças dos males obstruírem os interiores da mente natural, o homem é natural; mas logo que essas cobiças são dissipadas pelo Senhor, o homem é espiritual. E ainda mais, enquanto as cobiças dos males obstruírem os interiores da mente natural, o homem é animal; ele difere unicamente do animal pelo fato de poder pensar e falar, até sobre as coisas que não vê com os olhos, o que lhe vem da faculdade que possui de elevar seu entendimento à luz do céu.
[5] Mas logo que essas concupiscências são dissipadas pelo Senhor, o homem é homem, porque então pensa o vero no entendimento pelo bem na vontade. Enfim, enquanto as concupiscências dos males obstruírem os interiores da mente natural, o homem é como um jardim no tempo do inverno; mas logo que essas concupiscências são dissipadas pelo Senhor, é como um jardim no tempo do verão.
[6] A conjunção da vontade com o entendimento no homem é o que se entende, na Palavra, pelo "coração" e a "alma", e pelo "coração" e o "espírito", como onde se diz que se deve amar a Deus
"de todo o coração e de toda a alma." (Mat. 22:37),
que Deus dará
"um novo coração e um novo espírito" (Ezeq. 11:19; 36:26, 27);
pelo "coração" se entende à vontade e seu amor; e pela "alma" e o "espírito", o entendimento e sua sabedoria.