Primeiros Anos De Apolonio De Tiana
Apolônio nasceu em Tíana (lendas das maravilhas que ocorreram
no seu nascimento estavam em circulação, e têm a mesma
natureza de todas as lendas de nascimento de grandes personagens), uma cidade
no sul da Capadócia, em algum momento dos primeiros anos da era Cristã,
Seus pais eram de antiga linhagem e considerável fortuna (i, 4).
Numa idade precoce deu sinais de memória prodigiosa e disposição
estudiosa, e era notável por sua beleza. Com a idade de 14 anos foi
enviado a Tarso, um afamado centro de estudos daquele tempo, para completar
sua instrução. Mas mera retórica e estilo e a vida
das "escolas" eram pouco afins ao seu espírito sério,
e ele logo passou a Egue, uma cidade no litoral a leste de Tarso. Lá
encontrou um ambiente mais adequado às suas necessidades, e mergulhou
com ardor no estudo da filosofia. Tornou-se íntimo de sacerdotes
do templo de Esculápio, onde curas ainda eram realizadas, e desfrutou
da sociedade e instrução de discípulos e instrutores
das escolas de filosofia Platônica, Estóica, Peripatética
e Epicurista; mas mesmo tendo estudado estes sistemas de pensamento com
atenção, foram as lições da escola Pitagórica
que ele absorveu com uma extrordinária profundeza de compreensão
, mesmo que seu professor, Euxeno, fosse apenas um repetidor das doutrinas
e não um praticante da disciplina. Mas tal repetição
não era o suficiente para o espírito ávido de Apolônio;
sua "memória" extraordinária, que infundiu vida
nas secas lições de seu tutor, levaram-no adiante, e com dezesseis
anos "ele elevou-se à vida Pitagórica, levantado por
algum Grande" (Sci., seu tutor então; isto é, a "memória"
dentro dele, ou seu "daimon"). Não obstante ele reteve
sua afeição pelo homem que lhe mostrara o caminho, e recompensou-o
generosamente (i, 7).
Quando Euxeno perguntou-lhe como ele iniciaria seu novo modo de vida ele
respondeu: "Como o doutor purga seus pacientes". Daí em
diante ele recusou tocar qualquer coisa que tivesse tido vida animal, considerando
que isso densifica a mente e a torna impura. Ele considerava que a única
forma de alimentação pura era a produzida pela terra: frutas
e vegetais. Também se abstinha do vinho, pois mesmo sendo feito de
frutas, "tornava o éter túrbido [presumivelmente a substância
mental - NA] na alma", e "destruía a compostura da mente".
Mais ainda, andava descalço, deixou seu cabelo crescer livremente,
e vestia-se somente com tecidos de linho. Agora vivia no templo, para a
admiração dos sacerdotes e com a aprovação expressa
de Esculápio (isto é, presumivelmente ele foi encorajado em
seus esforços por aqueles auxiliares invisíveis do templo
através de quem as curas eram indicadas através de sonhos,
e ajuda era dada de modo psíquico e mesmérico) e rapidamente
se tornou tão famoso por seu ascetismo e vida pia, que uma frase
dos cilícios sobre ele ("Para onde estão correndo? Apressam-se
para ver o jovem?") se tornou um provérbio (i, 8).
Com a idade de vinte anos seu pai morreu (sua mãe havia morrido alguns
anos antes), deixando considerável fortuna, que Apolônio dividiria
com seu irmão mais velho, um jovem selvagem e dissoluto de 23 anos.
Sendo ainda menor, Apolônio continuou a morar em Egue, onde o templo
de Esculápio havia se tornado um movimentado centro de estudos, e
reverberava de um extremo a outro ao som dos elevados discursos filosóficos.
Chegando à maioridade, voltou a Tíana para tentar salvar seu
irmão de sua vida viciosa. Seu irmão aparentemente já
havia dissipado sua parte da herança, e Apolônio imediatamente
deu metade de sua própria parte para ele, e através de seus
conselhos gentis devolveu-o à humanidade. De fato parece ter devotado
este tempo para colocar em ordem os assuntos da família, pois então
distribuiu o restante de seu patrimônio entre alguns parentes, mantendo
para si apenas uma mínima parte; precisava de pouco, dizia, e jamais
casaria (i, 13).
Então fez um voto de silêncio por cinco anos, pois determinou-se
que não escreveria sobre filosofia antes de ter passado por toda
sua disciplina. Estes cinco anos foram passados na Panfília e na
Cilícia, e ainda que passasse muito tempo em estudo, não emparedou-se
numa comunidade ou mosteiro, mas manteve-se em movimento nas proximidades
e viajava de cidade em cidade. As tentações de quebrar seu
voto auto-imposto foram enormes. Sua estranha aparência chamava a
atenção de todos, e o populacho amante do chiste fez o silencioso
filósofo o alvo de sua verve inescrupulosa, e toda a proteção
que tinha contra suas insolências e mal-entendidos era a dignidade
de seu semblante e o olhar de seus olhos que agora podiam ver o passado
e o futuro. Muitas vezes esteve a ponto de imprecar contra algum excepcional
insulto ou falatório mentiroso, mas sempre se conteve com as palavras:
"Coração, sê paciente, e tu, língua, fica
quieta" (compare com a Odisséia, xx, 18) (i, 14).
Mesmo esta férrea repressão da fala comum não o impedia
de fazer o bem. Já nesta idade juvenil ele havia começado
a corrigir abusos. Com olhos e mãos e movimentos da cabeça,
fazia-se entender, e em uma ocasião, em Aspendo, na Panfília,
evitou um grave furto de grãos silenciando a turba com seus gestos
imperiosos e então escrevendo o que queria dizer sobre uma tabuleta
(i, 15).
Até aqui, aparentemente, Filóstrato depende do relato de Máximo
de Egue, ou talvez só até a época em que Apolônio
deixou Egue. Agora há uma lacuna considerável na narrativa,
e tudo o que Filóstrato pôde produzir foram dois breves capítulos
de vagas generalidades (i, 16, 17) sobre cerca de 15 ou 20 anos (sou inclinado
a pensar, contudo, que Apolônio ainda era um homem jovem quando iniciou
sua viagem à Índia, em vez de ter já 46 anos, como
alguns supõem. Mas as dificuldades da maior parte da cronologia são
insuperáveis), até que começam as notas de Damis.
Depois dos cinco anos de silêncio, encontramos Apolônio em Antióquia,
mas isto parece ter sido apenas um incidente em uma longa série de
viagens e trabalho, e é provável que Filóstrato saliente
Antióquia meramente porque o pouco que sabia sobre este período
da vida de Apolônio havia conseguido nesta movimentada cidade. Mesmo
do próprio Filóstrato sabemos incidentalmente mais adiante
(i, 20; iv, 38) que Apolônio havia passado algum tempo entre os Árabes,
e havia sido instruído por eles. E por Arábia entendemos o
sul da Palestina, que nesta época acolhia numerosas comunidades místicas.
Os locais que visitou eram fora das rotas, onde reinava o espírito
da solitude, e não as populosas e agitadas cidades, pois o tema de
sua conversação, dizia, requeria "homens, e não
povo" . Ele passou o tempo viajando de um a outro destes templos, santuários
e comunidades; de onde podemos concluir que havia entre eles algo semelhante
a um tipo de maçonaria comum, da natureza de uma iniciação,
que franqueava-lhe as portas de sua hospitalidade.
Mas onde quer que fosse, sempre observava uma divisão regular do
dia. Ao nascer do sol praticava certos exercícios religiosos sozinho,
cuja natureza ele só transmitia a quem passasse a disciplina dos
"quatro anos" (cinco anos?) de silêncio. Então palestrava
com os sacerdotes do templo ou os líderes das comunidades, conforme
estava em um templo grego ou não-grego com ritos públicos,
ou em uma comunidade com uma disciplina peculiar à parte do culto
público .
Então tentava trazer os cultos públicos de volta à
pureza de suas tradições antigas, e sugerir melhoramentos
nas práticas das irmandades privadas. A parte mais importante de
seu trabalho era com aqueles que estavam seguindo a vida interna, e que
já olhavam Apolônio como um instrutor do caminho oculto. A
estes camaradas e discípulos, devotava muita atenção,
estando sempre pronto para responder suas perguntas e dar conselhos e instrução.
Não que nisso negligenciasse o povo; era seu costume invariável
ensiná-lo; pois os que viviam a vida interior , ele dizia, deveriam
ao raiar do dia entrar na presença dos Deuses (isto é, presumivelmente,
passar algum tempo em meditação silenciosa), e então
passar o tempo até o meio-dia dando e recebendo instrução
nas coisas santas, e só depois devotar-se aos afazeres humanos. Isto
é, a manhã era devotada por Apolônio à ciência
divina, e a tarde, à instrução em ética e na
vida prática. Depois do trabalho do dia ele se banhava em água
fria, como faziam tantos místicos da época naquelas terras,
notavelmente os Essênios e os Terapeutas (i, 16).
"Depois destas coisas", diz Filóstrato, tão vagamente
como o escritor de uma narrativa evangélica, Apolônio determinou-se
a visitar os Brachmanes e Sarmanes (isto é, os Brâmanes e Budistas.
sarman é a corruptela grega do sânscrito shramana e do páli
samano, o termo técnico para um asceta ou monge Budista. A ignorância
dos copistas mudou sarmanes primeiro para germanes e depois para hircanianos!).
O que induziu nosso filósofo a fazer tão longa e perigosa
jornada não é esclarecido por Filóstrato, que diz simplesmente
que Apolônio imaginou ser uma boa coisa para um jovem viajar (isto
mostra que Apolônio ainda era jovem, e não entre 40 e 50, como
alguns têm afirmado. Tredwell, p. 70, data as viagens indianas em
41-54 d.C.). É mais que evidente, contudo, que Apolônio jamais
viajou meramente por amor da viagem. O que ele faz, faz com um propósito
específico. E seus guias nesta ocasião, como assevera a seus
discípulos que tentavam dissuadí-lo de seu projeto e recusaram
acompanhá-lo, foram a sabedoria e seu orientador interno (daimon).
"Já que sois fracos de coração", diz o peregrino
solitário, "dou-vos meu adeus. Pois eu mesmo devo ir onde quer
que a sabedoria e meu eu interior me levarem. Os Deuses são meus
conselheiros e não posso fiar-me senão em suas direções"
(i, 18).