APOLÔNIO DE TIANA, O PROFETA E TAUMATURGO



Agora voltaremos nossa atenção por um breve momento àquele lado da vida de Apolônio que o tornou objeto de invencível preconceito. Apolônio não foi somente um filósofo, no sentido de ser um especulador teórico ou de ser o seguidor de um modo de vida organizado escolado na disciplina da renúncia; ele foi também um filósofo no sentido Pitagórico original do termo - um conhecedor dos segredos da Natureza, que assim podia falar como alguém que tinha autoridade.


Ele conhecia o lado oculto das coisas da Natureza por experiência e não por ouvir dizer; para ele a senda da filosofia era uma vida por onde o próprio homem se tornava um instrumento do conhecimento. A religião, para Apolônio, não era somente uma fé, era uma ciência. Para ele o espetáculo das coisas eram aparências sempre mutantes; cultos e ritos, religiões e crenças, para ele eram todos um só, considerando o espírito correto que jazia por trás deles. O Tianeu não via diferenças de raça ou credo; tais estreitas limitações não eram para nosso filósofo.
Acima de todos os outros ele deve ter rido ante a palavra "milagre" aplicada aos seu feitos. "Milagre", em seu sentido teológico Cristão, era um termo desconhecido da antigüidade, e é um vestígio de superstição hoje. Pois ainda que muitos acreditem que seja possível para a alma efetuar uma multidão de coisas além das possibilidades de uma ciência que está confinada inteiramente à investigação das forças físicas, ninguém além daquele que não pensa acredita que pode haver alguma interferência na operação das leis que a Deidade imprimiu na Natureza. - o credo dos Miraculistas.


A maioria dos registros de taumaturgia de Apolônio são casos de profecias ou previsão; de visão à distância e visão do passado; o de ver ou ouvir durante uma visão; de curar os casos de obsessão ou possessão.
Ainda jovem, no templo de Egue, Apolônio deu sinais da posse dos rudimentos desta percepção psíquica; não só sentiu corretamente a natureza do passado sombrio de um rico mas indigno suplicante que desejava a restauração de sua visão, mas previu, ainda que obscuramente, o mau fim de um que havia atentado contra sua inocência (i, 12).


Ao encontrar Damis, seu futuro fiel criado ofereceu seus serviços para a longa jornada à Índia considerando que conhecia as línguas dos diversos países por onde teriam que passar. "Mas eu entendo-os todos, mesmo que jamais tenha-lhes aprendido a língua", respondeu Apolônio, em sua maneira enigmática usual, e acrescentou: "Não vos admireis que eu saiba as línguas dos homens, pois eu conheço até o que eles não nunca dizem" (i, 19). E com isso ele queria dizer simplesmente que podia ler os pensamentos das pessoas, não que ele pudesse falar todas as línguas. Mas Damis e Filóstrato não podiam entender um fato tão simples da experiência psíquica; eles devem ter pensado que ele sabia não apenas as línguas de todos os homens, mas também as dos pássaros e feras (i,20).
Em sua conversa com o monarca babilônio Vardan, Apolônio claramente reivindica presciência. Ele diz que é um médico da alma e pode livrar o rei das doenças da mente, não só porque sabia o que tinha de ser feito, isto é, a disciplina adequada ensinada nas escolas Pitagórica e similares, mas também porque ele antevia a natureza do rei (i, 32). De fato nos dizem que o assunto da presciência (p?????se??), de cuja ciência (s?f?a) Apolônio era um profundo estudioso, foi um dos principais tópicos discutidos por nosso filósofo e seus hóspedes indianos. (iii, 42).
De fato, como Apolônio fala ao seu amigo filosófico e estudioso o Cônsul romano Telesino, para ele a sabedoria era um tipo de divinização ou de tornar divina toda a natureza, uma espécie de estado de perpétua inspiração (fe?asµs?) (i, 40). E assim sabemos que Apolônio era informado de todas as coisas desta natureza pela energia de sua natureza daimônica (da?µ?????) (vii, 10). Mas para os estudantes das escolas Pitagórica e Platônica o "daimon" de um homem era aquilo que podia ser chamado o Eu Superior, o lado espiritual da alma distinto do puramente humano. É a melhor parte do homem, e quando sua consciência física é unificada com o "morador do céu", ele tem (de acordo com a filosofia mística mais elevada da antiga Grécia), enquanto ainda na Terra, os poderes daqueles seres incorpóreos intermediários entre os Deuses e os homens chamados "daimones"; um estado ainda mais elevado, e o homem vivente se torna um Deus na Terra; e num estágio ainda mais excelso ele se torna uno com o Bem e então se torna Deus.


Daí que encontramos Apolônio rejeitando indignadamente a acusação de magia ignorantemente levantada contra ele, uma arte que atinge seus resultados por meio do pacto com aquelas entidades inferiores que enxameiam nos domínios exteriores da Natureza interna. Nosso filósofo repudiava igualmente a idéia de ser um profeta ou adivinho. Com estas artes ele não tinha nenhuma relação; se alguma vez ele disse algo que parecia presciência, era não por adivinhação no sentido vulgar da palavra, mas devido "àquela sabedoria que Deus revela ao sábio" (iv, 44).
As mais numerosas das maravilhas atribuídas a Apolônio são exemplos precisamente de tal presciência ou profecia (vide i, 22 [cf. 40], 34; iv, 4, 6, 18 [cf. v, 19], 24, 43; v, 7, 11, 13, 30, 37; vi, 32; vii, 26). Devemos confessar que as frases registradas são freqüentemente obscuras e enigmáticas, mas este é o caso usual neste tipo de profecia; pois os eventos futuros são vistos mais freqüentemente em representações simbólicas, cujo significado não fica claro até ocorrer o evento, ou ouvidos em sentenças igualmente enigmáticas. Às vezes, entretanto, temos exemplos de previsão muito acurados, como a recusa de Apolônio de embarcar em um navio que veio a naufragar na viagem (v, 18).
Os exemplos de visão de eventos presentes à distância, contudo - como o incêndio de um templo em Roma, que Apolônio viu quando estava em Alexandria - são claros o bastante. De fato, se as pessoas não soubessem mais nada do Tianeu, teriam pelo menos ouvido falar como ele viu em Éfeso o assassinato de Domiciano em Roma no exato momento de sua ocorrência.


Era meio-dia, para citarmos o vívido relato de Filóstrato, e Apolônio estava num dos pequenos parques ou jardins dos subúrbios, ocupado em dar uma preleção sobre algum absorvente tópico filosófico. "Primeiro ele baixou sua voz como se fosse tomado de alguma apreensão; contudo, continuou sua exposição, mas vacilante, e com muito menos força do que antes, como um homem que tem outra coisa em sua mente além daquela sobre que está falando; finalmente ele cessou de todo de falar como se não pudesse encontrar as palavras. Então, olhando fixamente para o chão, deu três ou quatro passos para diante, gritando: 'Matem o tirano, matem!' E isto, não como um homem que vê uma imagem num espelho, mas como um que tem a própria cena diante de seus olhos, como se ele mesmo estivesse tomando parte nela".
Voltando-se para sua atônita audiência, ele lhes disse o que vira. Mas ainda que eles esperassem que fosse verdade, recusaram-se a acreditá-lo, como se Apolônio estivesse fora de si. Mas o filósofo gentilmente respondeu: "Vós, de vossa parte, estais certos em adiar vosso regozijo até que as notícias sejam trazidas a vós do modo usual; mas quanto a mim, agradecerei aos Deuses pelo que eu mesmo vi" (viii, 26).
Pouco admira, assim, se lemos não só sobre uma quantidade de sonhos simbólicos, mas sua interpretação correta, ser um dos ramos mais importantes da disciplina esotérica da escola (vide especialmente i, 23 e iv, 34). Também não nos surpreendemos de ouvir que Apolônio, baseado somente em seu conhecimento interior, foi útil obtendo a libertação de um homem inocente em Alexandria, que estava a ponto de ser executado junto com um grupo de criminosos (v, 24). De fato, ele parece ter conhecido o passado secreto de muitos daqueles com quem entrava em contato (vi, 3, 5).


A posse de tais poderes pode perturbar só levemente a crença de uma geração como a nossa, para quem tais fatos da ciência psíquica estão se tornando a cada dia mais familiares. Nem devem nos espantar os casos de cura por processos mesméricos, ou mesmo os assim chamados "exorcismos de maus espíritos", se dermos crédito à narrativa Evangélica e estivermos acostumados com a história geral dos tempos em que tais curas de possessão e obsessão eram um lugar comum. Isto, contudo, não nos obriga a endossar as descrições fantásticas de tais sucessos às quais Filóstrato se permite. Se for crível que Apolônio teve sucesso ao tratar de obscuros casos mentais - casos de obsessão e possessão - de que nossos asilos e hospitais estão cheios hoje em dia, e que em sua maior parte estão além do âmbito da ciência oficial por sua ignorância dos verdadeiros fatores em operação, igualmente é evidente que Damis e Filóstrato tinham pouco entendimento nesta matéria, e deram rédea larga à imaginação em suas narrativas (vide ii, 4; iv, 20, 25; v, 42; vi, 27, 43). Talvez, contudo, Filóstrato em alguns casos esteja só repetindo a lenda popular, cujo melhor exemplo é a cura da praga em Éfeso que o Tianeu havia previsto em tantas ocasiões. A lenda popular diz que a origem da praga estava ligada a um velho mendigo, que fora soterrado sob uma pilha de pedras pela multidão enfurecida. Quando Apolônio ordenou que as pedras fossem removidas, viu-se que o que havia sido um homem tinha se tornado agora um cão enlouquecido espumando pela boca (iv, 10)!


Por outro lado, o registro de Apolônio "restituindo à vida" uma jovem de berço nobre em Roma, é contado com grande moderação. Nosso filósofo parece ter encontrado o féretro por acaso; então ele subitamente aproximou-se do leito, e depois de fazer alguns passes sobre a donzela, e dizer algumas palavras inaudíveis, "despertou-a de sua morte aparente". Mas, diz Damis, "se Apolônio notou que a centelha da alma ainda vivia, o que seus amigos deixaram de perceber - segundo consta estava chovendo levemente e se via um tênue vapor em seu rosto - ou se ele fez a vida nela aquecer-se novamente e assim restaurando-a", nem ele nem ninguém presente poderia dizer (iv, 45).
De uma natureza nitidamente mais fenomênica são as histórias de Apolônio causando o desaparecimento do que estava escrito nas tabuletas de um de seus acusadores perante Tigelino (iv, 44); ou removendo as cadeias de sua perna para mostrar a Damis que ele realmente não era um prisioneiro, mesmo que estivesse acorrentado nas masmorras de Domiciano (vii, 38); e seu "desaparecimento" (?fa?s??) do tribunal (viii, 5). Esta expressão, porém, só deve ser tomada retoricamente, pois em viii, 8, o incidente é contado nas palavras simples "quando ele deixou (ap???e) o tribunal".


Não devemos, pois, supor que Apolônio desprezasse ou negligenciasse os estudos dos fenômenos físicos em sua devoção à ciência interna das coisas. Ao contrário, temos diversos exemplos de sua rejeição da mitologia em favor de uma explicação física dos fenômenos naturais. Tais, por exemplo, são suas explicações da atividade vulcânica do Etna (v, 14, 17), e de um maremoto em Creta, acompanhado de indicações corretas sobre a causa imediata da ocorrência. De fato uma ilha distante havia explodido por causa de uma perturbação submarina, como mais tarde foi averiguado (iv, 34). A explicação dos maremotos em Cádiz também pode ser incluída na mesma categoria (v, 2).