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    NUVEM SOBRE O SANTUÁRIO
    Eckhartshausen
    A PRIMEIRA CARTA
O nosso século 
      é de preferência a qualquer outro o mais notável para 
      o observador imparcial e sereno. Por toda parte existe fermentação 
      tanto na alma como no coração do homem; encontra-se a cada 
      passo o combate da luz e das trevas, de idéias mortas e idéias 
      vivas, da vontade morta e inerte com a força viva e ativa; se vê 
      por todo lado enfim, a guerra entre o homem animal e o homem espiritual 
      que desperta. 
      Homem natural renuncia às tuas últimas forças; até 
      teu próprio combate revela a tua natureza superior que repousa em 
      teu seio. Presentes a tua dignidade, tu a sentes mesmo; porém tudo 
      é ainda obscuro ao teu redor e a lâmpada da tua débil 
      razão não é suficiente para iluminar os objetos aos 
      quais deverias aspirar. 
      Diz-se que vivemos no século das luzes e seria mais justo dizer que 
      vivemos no século do crepúsculo: aqui e ali, o raio luminoso 
      penetra através da nuvem das trevas, mas ele não ilumina ainda 
      com toda a sua pureza nossa razão e nosso coração. 
      Os homens não estão de acordo sobre as suas concepções: 
      sábios disputam; e onde há disputa, não existe a luz 
      nem se conhece a verdade. 
      Os objetos mais importantes para a humanidade são ainda indeterminados. 
      Não se está de acordo nem sobre o princípio da razão, 
      nem sobre o princípio da moralidade ou do móbil da vontade. 
      Isto prova que mau grado estejamos na grande época das luzes, ainda 
      não sabemos bem o que ela representa em nosso cérebro e em 
      nosso coração. 
      Seria possível que nós soubéssemos tudo isto mais cedo, 
      se não imaginássemos que temos já a flama do conhecimento 
      em nossas mãos, ou se pudéssemos lançar um olhar sobre 
      a nossa fraqueza e reconhecer que ainda nos falta uma luz mais elevada. 
      
      Nós vivemos nos tempos da idolatria da razão, depositamos 
      uma tocha sobre o altar, proclamamos em altas vozes que a aurora está 
      despontando e que por toda parte o dia aparece realmente, e deste modo o 
      mundo se eleva cada vez mais da obscuridade à luz e a perfeição, 
      pelas artes, as ciências, gosto refinado ou mesmo por uma perfeita 
      compreensão da religião. 
      Pobres homens! até onde haveis exaltado a felicidade dos homens? 
      
      Existiu jamais um século que tivesse custado tantas vítimas 
      como o presente? Existiu jamais um século no qual a imoralidade e 
      o egoísmo tenham predominado mais do que neste? Conhece-se a árvore 
      pelos seus frutos. 
      Insensatos!... Com o vosso falso raciocínio... onde obtivesses a 
      luz com a qual quereis esclarecer os outros? Será que todas as vossas 
      idéias não são tiradas dos sentidos, que não 
      vos dão qualquer verdade mas somente os fenômenos externos? 
      
      Tudo aquilo que dá o conhecimento no tempo e no espaço não 
      é relativo? Tudo aquilo que nós podemos chamar verdadeiro, 
      não é apenas uma verdade relativa?... Não se pode achar 
      a verdade absoluta na esfera dos fenômenos externos. 
      Assim sendo, vosso raciocínio não possui a "Essencialidade" 
      mas somente a aparência da verdade e da Luz; assim é que, quanto 
      mais esta aparência aumenta e se expande, mais a "Essência 
      da luz" decresce no interior, e o homem se perde na aparência 
      e tateia para atingir as fantásticas imagens despidas de realidade. 
      
      A filosofia do nosso século eleva a fraca razão natural a 
      objetividade independente; atribuindo-lhe mesmo um poder legislativo, isentando-a 
      de uma autoridade superior. Torna-a autônoma e a diviniza, suprimindo 
      entre Deus e ela toda relação, toda comunicação, 
      e esta razão deificada, que não tem outra lei que a sua própria, 
      deve governar os homens e torná-los felizes!... As trevas devem expandir 
      a luz!... A pobreza deve dar a riqueza!... E a morte deve dar a vida!... 
      
      A verdade conduz os homens à felicidade... Podeis vós dá-la? 
      
      O que, vós chamais verdade é uma forma de concepção 
      vazia de substância cujo conhecimento foi adquirido externamente, 
      pelos sentidos; o entendimento coordena-os por uma síntese das relações 
      observadas em ciência ou em opiniões. Vós não 
      tendes absolutamente verdade material, o princípio espiritual e material 
      é para vós um Número. 
      Retirais das Escrituras e da tradição a verdade moral, teórica 
      e prática; mas como a individualidade é o princípio 
      de vossa razão, e o egoísmo é o móbil da vossa 
      vontade, não vedes a vossa luz interior, a lei moral que governa 
      todas as coisas, ou a rechaçais com a vossa vontade. É até 
      lá que as luzes atuais foram conduzidas. A individualidade sob o 
      manto da hipocrisia filosófica, é a filha da corrupção. 
      
      Quem pode afirmar que o sol está em pleno meio dia, se nenhum raio 
      luminoso alegra a terra e nenhum calor vivifica as plantas? Se a sabedoria 
      não melhora os homens e o amor não os torna mais felizes, 
      bem pouca coisa se fez ainda para o todo. 
      Oh! se somente o homem natural ou o homem dos sentidos pudesse perceber 
      que o principio de sua razão e o móbil de sua vontade, são 
      somente a individualidade, e que por isto mesmo, ele devia ser extremamente 
      miserável, procuraria um princípio mais elevado no seu interior, 
      e aproximar-se-ia da única fonte que pode saciar a todos, porque 
      ela é a "Sabedoria na sua própria essência". 
      
      J.C. é a Sabedoria, a Verdade e o Amor. Como Sabedoria Ele é 
      o princípio da razão, a fonte do conhecimento, a mais pura. 
      Como Amor Ele é o princípio da moralidade, o móbil 
      essencial e puro da vontade. 
      O Amor e a Sabedoria engendram o Espírito da Verdade, a luz interior, 
      esta luz ilumina em nós os objetos sobrenaturais e os torna objetivos. 
      
      É inconcebível observar até que ponto o homem cai no 
      erro quando ele abandona as verdades simples da fé, e a elas opõe 
      a sua própria opinião. 
      Nosso século procura definir cerebralmente o princípio da 
      razão e da moralidade, ou do móbil da vontade; se os senhores 
      sábios estivessem atentos, veriam que estas coisas encontrariam melhor 
      resposta no coração do homem, mais simples, que em todos os 
      seus brilhantes raciocínios. 
      O cristão prático encontra este móbil da vontade, princípio 
      de toda imoralidade, objetiva e realmente no seu coração e 
      este móbil se exprime na seguinte fórmula: 
      "Ama a Deus sobre todas as coisas e ao teu próximo como a ti 
      mesmo". 
      O amor de Deus e do próximo é, o móbil da vontade do 
      cristão; e a essência do próprio amor é Jesus 
      Cristo em nós. 
      Assim é que o princípio da razão é a sabedoria 
      em nós; e, a essência da sabedoria, a sabedoria em sua substância 
      é ainda J.C. - a Luz do Mundo. Assim encontramos nele o principio 
      da razão e da moralidade. 
      Tudo o que eu digo aqui não é, uma extravagância hiperfísica, 
      é a realidade, a verdade absoluta que cada um pode comprovar experimentalmente 
      desde que recebe em si o princípio da razão e da moralidade, 
      J.C. como sendo a Sabedoria e o Amor essenciais. 
      Mas a visão do homem dos sentidos é profundamente inapta para 
      captar a base absoluta de tudo aquilo que é verdadeiro o transcendental. 
      Mesmo a razão que nós queremos elevar hoje sobre o trono como 
      legisladora, é tão somente a razão dos sentidos, cuja 
      luz difere da luz transcendental, como a fosforescência do fogo-fátuo 
      difere do esplendor do sol. 
      A verdade absoluta não existe para o homem dos sentidos mas somente 
      para o homem interior e espiritual que possui um sensorium próprio; 
      ou, para dizer mais precisamente, que possui sentido interior para perceber 
      a verdade absoluta do mundo transcendental; um sentido espiritual que percebe 
      os objetos espirituais tão naturalmente em objetividade, como o sentido 
      exterior percebe os objetos exteriores. 
      Este sentido interior do homem espiritual, este sensorium de um mundo metafísico 
      não é, infelizmente ainda conhecido de todos, é um 
      mistério do reino de Deus. 
      A incredulidade atual para todas as coisas onde a razão dos nossos 
      sentidos não encontra ponto de objetividade sensível, é 
      a causa que nos faz desconhecer as verdades, as mais importantes para o 
      homem. 
      Mas, como poderia ser de outra forma? Para ver é necessário 
      ter olhos; para ouvir, ouvidos. Todo objeto sensível requer seu sentido. 
      Assim é que o objeto transcendental requer também seu sensorium, 
      - e este mesmo sensorium está fechado para a maioria dos homens. 
      Desta forma o homem dos sentidos julga o mundo metafísico como o 
      cego julga as cores, e como o surdo julga o som. 
      Existe um princípio objetivo e substancial da razão e um móbil 
      objetivo e substancial da vontade. Estes dois conjuntos formam o novo princípio 
      da vida cuja imoralidade, é essencialmente inerente. Esta substância 
      pura da razão e da vontade reunidas é o divino e o humano 
      em nós; J.-C. a Luz do mundo que deve entrar em relação 
      direta conosco para ser realmente conhecida. 
      Este conhecimento real é a fé viva onde tudo se passa em espírito 
      e em verdade. 
      Assim, deve existir necessariamente para essa comunicação 
      um sensorium organizado e espiritual, um órgão espiritual 
      e interior, susceptível de receber essa luz, mas que está 
      fechado na maioria dos homens pela espessura dos sentidos. 
      Esse órgão interior é o sentido intuitivo do mundo 
      transcendental, e antes que esse sentido de intuição seja 
      aberto em nós, não podemos ter nenhuma certeza objetiva da 
      verdade mais elevada. Este órgão foi fechado por conseqüência 
      da queda, que atirou o homem no mundo dos sentidos. 
      A matéria grosseira que envolve esse sensorium interior é 
      uma catarata, ou véu que cobre a visão interior, tornando 
      a visão exterior inapta à visão do mundo espiritual. 
      Esta mesma natureza ensurdece nosso ouvido interior, de maneira que não 
      ouvimos mais os sons do mundo metafísico; ela paralisa nossa língua 
      interior, de maneira que nós não podemos mais nem mesmo balbuciar 
      as palavras de força do espírito que pronunciávamos 
      outrora pelas quais nós governávamos a natureza exterior e 
      os elementos. 
      A abertura desse sensorium espiritual é o mistério do Novo 
      Homem, o mistério da Regeneração e da união 
      a mais íntimo do homem com Deus; é a meta mais elevada da 
      religião aqui em baixo, desta religião cuja finalidade mais 
      sublime é de unir os homens a Deus em Espírito e Verdade. 
      
      Podemos facilmente perceber por meio disto, porque a religião tende 
      sempre à sujeição do homem material. Ela age assim 
      porque quer tornar o homem espiritual dominante, afim de que o homem espiritual 
      ou verdadeiramente racional governe o homem dos sentidos. 
      O filósofo sente também esta verdade; seu erro somente consiste 
      em não conhecer o Verdadeiro princípio da razão e querer 
      colocar em seu lugar a sua individualidade, sua razão dos sentidos. 
      
      Como o homem possui em seu interior um órgão espiritual e 
      um sensorium para receber o principio real da razão ou a Sabedoria 
      divina, e o móbil real da vontade, ou o Amor divino, ele possui também 
      no seu exterior, um sensorium físico e material para receber "a 
      aparência" da, luz e da verdade. Como a natureza exterior não 
      possui a verdade absoluta, mas somente a verdade relativa do mundo fenomenal, 
      assim também a razão humana não pode mais adquirir 
      verdades inteligíveis, mas somente a aparência do fenômeno 
      que apenas excita nela, para móbil de sua vontade, a concupiscência, 
      no que consiste a corrupção do homem sensorial e a degradação 
      da natureza. 
      O sensorium externo do homem é composto de matéria corruptível, 
      enquanto que o sensorium interior tem por substrato fundamental, substância 
      incorruptível, transcendental e metafísica. 
      O primeiro é causa de nossa depravação e nossa mortalidade; 
      o segundo é o princípio de nossa incorruptibilidade e imortalidade. 
      
      Nos domínios da natureza material e corruptível, a mortalidade 
      esconde a imortalidade e a causa de nosso estado miserável é 
      a matéria corruptível e perecível. Para que o homem 
      seja libertado desta angústia, é necessário que o princípio 
      imortal e incorruptível que está em seu íntimo se exteriorize 
      e absorva o princípio corruptível, a fim de que o invólucro 
      dos sentidos seja destruído e que o homem possa aparecer na sua pureza 
      original. 
      Este invólucro da natureza sensível é uma substância 
      essencialmente corruptível, que se encontra em nosso sangue, forma 
      as ligações da carne e escraviza nosso espírito imortal 
      a essa carne mortal. 
      É possível romper mais ou menos esse envoltório em 
      cada homem e em conseqüência conceder a seu espírito, 
      uma liberdade mais ampla, para que ele chegue a um conhecimento mais preciso 
      do mundo transcendental. 
      Há três graus sucessivos de abertura em nosso sensorium espiritual. 
      
      O primeiro apenas nos eleva ao plano moral e o mundo transcendental, aí 
      age em nós por impulsos interiores, chamados inspirações. 
      
      O segundo grau, mais elevado, abre nosso sensorium para a recepção 
      do espiritual e do intelectual, e o mundo metafísico age em nós 
      por iluminações interiores. 
      O terceiro é mais alto grau - o mais raramente alcançado - 
      desperta o homem interior por completo. Ele nos revela o Reino do Espírito 
      e nos torna susceptíveis de experimentar objetivamente as realidades 
      metafísicas e transcendentais; daí todas as visões 
      são explicadas fundamentalmente. Assim sendo, nós temos no 
      interior, o sentido e a objetividade, como no exterior. Somente os objetos 
      e os sentidos são diferentes. No exterior, existe o móbil 
      animal e sensual que age sobre nós, e a matéria corruptível 
      dos sentidos sofre a ação. No interior, é a substância 
      indivisível e metafísica que se introduz em nós, e 
      o ser incorruptível e imortal do nosso espírito recebe suas 
      influências. Mas, em geral, no interior, as coisas se passam tão 
      naturalmente como no exterior; a lei é por toda parte a mesma. 
      Portanto, como o espírito, ou nosso homem interior tem um senso completamente 
      diferente e uma outra objetividade do homem natural, não devemos 
      de maneira alguma surpreender-nos que ele fique um enigma para os sábios 
      do nosso século, que não conhecem estes sentidos, e não 
      tiveram jamais a percepção objetiva do mundo transcendental 
      e espiritual. Eis aí porque eles medem o sobrenatural com a medida 
      dos sentidos, confundem a matéria corruptível com a substância 
      incorruptível, e seus julgamentos são necessariamente falsos 
      sobre um assunto para a percepção do qual eles não 
      possuem nem sentidos nem objetividade, e, por conseguinte, nem verdade relativa 
      nem verdade absoluta. No que concerne as verdades que anunciamos aqui, temos 
      que agradecer infinitamente à filosofia de Kant. 
      Kant incontestavelmente provou que a razão em seu estado natural, 
      não sabe absolutamente nada do sobrenatural, do espiritual e do transcendental, 
      e que ela nada pode conhecer, nem analiticamente, nem sinteticamente, e 
      que assim sendo, ela não pode provar nem a possibilidade nem a realidade 
      dos espíritas, das almas e de Deus. 
      Isto é uma grande verdade, elevada e benéfica para os nossos 
      tempos; é verdade que São Paulo já a havia estabelecido 
      (primeira epístola aos Coríntios Cap. I, V. 2-24); mas a filosofia 
      pagã dos sábios cristãos soube ignorá-la até 
      Kant. 
      O benefício desta, verdade é duplo. Primeiramente ela põe 
      limites intransponíveis ao sentimento, ao fanatismo e à extravagância 
      da razão carnal. 
      Em seguida põe na mais resplandecente luz a necessidade e a divindade 
      da Revelação. O que prova que a nossa razão humana, 
      em seu estado obtuso não tem nenhuma fonte objetiva para o sobrenatural 
      sem a revelação; nenhuma fonte para instruir-se de Deus, do 
      mundo espiritual, da alma e da sua imortalidade; de onde se segue que seria 
      absolutamente impossível sem revelação, saber ou conjeturar 
      nada sobre essas coisas. 
      Por isto nós somos devedores a Kant por ter provado nos nossos dias 
      aos filósofos, corno já o havia sido desde muito tempo em 
      escola mais elevada da comunidade da Luz, que "SEM REVELAÇÃO, 
      NENHUM CONHECIMENTO DE DEUS E NENHUMA DOUTRINA SOBRE A ALMA SERIAM POSSÍVEIS". 
      
      Por onde, é claro que uma revelação universal deve 
      servir de base fundamental a todas as religiões de mundo. 
      Assim, segundo Kant está provado que o mundo inteligível é 
      inteiramente inacessível à razão natural, e que Deus 
      habita uma luz na qual nenhuma especulação da razão 
      limitada pode penetrar. 
      Desta forma o homem dos sentidos ou homem natural não tem nenhuma 
      objetividade do transcendental; daí, à revelação 
      de verdades mais elevadas lhe é necessária e por isto também 
      a fé na revelação, porque a fé lhe dá 
      os meios de abrir seu sensorium interior, pelo qual as verdades inacessíveis 
      ao homem natural lhe podem ser perceptíveis. 
      É perfeitamente plausível que com os novos sentidos possamos 
      adquirir novas realidades. Estas realidades existem já, mas nós 
      não as distinguimos porque nos falta o órgão da receptividade. 
      
      É assim que, embora as cores existam, o cego não as vê; 
      o som também existe, mas o surdo não o escuta. Não 
      devemos procurar a falta no objeto perceptível mas no órgão 
      receptor. 
      Com o desenvolvimento de um novo órgão nós temos uma 
      nova percepção, novas objetividades. 
      O mundo espiritual não existe para nós porque o órgão 
      que o torna objetivo em nós não está desenvolvido. 
      Com o desenvolvimento deste novo órgão, a cortina levanta-se 
      imediatamente, o véu impenetrável até o momento, é 
      rasgado, a nuvem à frente do santuário é dissipada, 
      um novo mundo surge num relance para nós; as vendas tombam dos olhos 
      e nós somos, no mesmo instante, transportados da legião dos 
      fenômenos para a da verdade. 
      Só Deus é Substância, Verdade absoluta, Ele só 
      é aquele que É, e nós somos aquilo que Ele nos fez. 
      
      Para Ele, tudo existe na unidade; para nós, tudo existe na multiplicidade. 
      
      Muitos homens não têm a menor idéia deste despertar 
      do sensorium interior como também não a têm para o "objeto" 
      verdadeiro e interior da "Vida do Espírito", que não 
      conhecem; nem sequer pressentem de nenhuma maneira. 
      Daí, ser-lhes impossível saber que se pode perceber o espiritual 
      e o transcendental e que se pode ser levado ao sobrenatural até à 
      visão. 
      A verdadeira edificação do templo consiste unicamente em destruir 
      a miserável cabana adâmica e construir a templo da divindade; 
      isto é, em outros termos, desenvolver em nós o sensorium interior 
      ou órgão que recebe Deus; depois deste desenvolvimento, o 
      principio metafísico e incorruptível reina sobre o princípio 
      terrestre e o homem começa a viver, não mais no princípio 
      do amor próprio, mas no Espírito e na Verdade de que ele é 
      o templo. 
      A lei moral passa então a ser amor ao próximo e, o mais puro, 
      enquanto que, ela não é para o homem natural exterior dos 
      sentidos, senão uma simples forma de pensamento; e o homem espiritual 
      regenerado no espírito, vê tudo no ser, do qual o homem natural 
      tem somente formas vazias do pensamento, o som vazio, os símbolos 
      e a letra, que são todos imagens mortas, sem o espírito interior. 
      
      O fim mais elevado da religião é a união a mais íntima 
      do homem com Deus, e esta união já é possível 
      mesmo aqui em baixo, mas ela não o é senão pela abertura 
      de nosso sensorium interior e espiritual que torna nosso coração 
      susceptível de receber Deus. 
      Aí estão os grandes mistérios dos quais a nossa filosofia 
      não duvida, e cuja chave não pode ser encontrada entre os 
      sábios de escola. 
      Contudo sempre existiu uma escola mais elevada, à qual este depósito 
      de toda ciência foi confiado, e esta escola era a comunidade interior 
      e luminosa do Senhor, a sociedade dos Eleitos que se propagou, sem interrupção, 
      desde o primeiro dia da criação até aos tempos presentes; 
      seus membros, é verdade, estão dispersas pelo mundo, mas eles 
      estiveram sempre unidos por um espírito e por urna verdade, e não 
      tiveram jamais senão um só conhecimento, uma única 
      fonte de verdade, um senhor, um doutor e um mestre, em que reside substancialmente 
      a plenitude Universal de Deus, e que os iniciou, Ele só, nos mistérios 
      elevados da natureza e do Mundo Espiritual. 
      Esta comunidade da luz foi denominada em todos os tempos a Igreja invisível 
      e interior, ou a comunidade, a mais antiga, da qual nós vos falaremos 
      mais detalhadamente na próxima carta.